Willian olhava fixamente para mim, ele
passou pela escrivaninha, caminhou em passos curtos e lentos. Eu estava com os
pés em cima da cadeira, como costumo me sentar. Pude ver seus lábios se
mexendo, mas não consiga ouvir nada. Além disso, eu conseguia me ver, me via
balançando a cabeça como se enxergasse pelos olhos de uma terceira pessoa. Ele
se abaixou até ficar na minha altura e procurou meus olhos por trás dos
joelhos. Eu conseguia ver seus olhos marejando e eu estava intacta, apoiada na
cadeira e com os braços soltos. Will continuava falando, seus lábios se mexiam
e transmitiam emoção, mas eu continuava parada e não ouvia nada, aquilo já
estava me deixando desesperada.
Abri
os olhos e minha respiração estava ofegante. Foi só um sonho. Puxei o ar com
toda força e soltei, olhei para o relógio e ele marcava 16h20. Acabei perdendo
o sono com medo de sonhar com aquilo novamente, então fiquei rolando de um lado
para o outro na cama. Fiquei pensando sobre aquilo, não conseguia entender
porque não ouvi nada. Levantei e fui até o banheiro lavar o rosto e trocar de
roupa, ainda havia sol e no Manual dizia que os pré-transformados sofriam
grande influência disso. Significa então que eu deveria estar quase
inconsciente, exatamente o contrário de como estou. Passei as mãos molhadas
mais uma vez no rosto, respirei fundo e senti um perfume, um cheiro diferente.
Caminhei lentamente até a porta do banheiro que estava aberta, tentei fazer o
mínimo barulho e estiquei levemente o pescoço para olhar para o quarto.
Caroline estava sentada na beira da minha cama bagunçada e me olhava fixamente.
-O
que você está fazendo aqui? – Arregalei os olhos involuntariamente, estava
espantada.
-Eu
preciso muito conversar com você. Aquele dia você não voltou, eu pensei que
tivesse acontecido algo pior. – O tom de voz estava preocupado e pareceu
sincero, suas íris negras imploravam por um pouco de atenção.
-Acho
que você viu quando eu desmaiei na frente do Willian. Eu tentei voltar, mas foi
impossível. – Dei de ombros e me apoiei no batente da porta do banheiro.
-Seu
nome é Kelly, não é? – Ela apertou os lábios e eu assenti com a cabeça.
-Tá
bem, me fala logo o que você quer.
-Kelly,
eu descobri que posso controlar suas visões.
-Que?
Visões? – Me fiz de desentendida, quanto menos pessoas soubessem disso melhor
seria.
-Percebi
aquele dia em que vocês iam atacar o garoto na cidade.
-Espera
aí, como assim “descobriu”? – Fiz as aspas no ar com os dedos.
-Eu
não sei até onde você sabe, mas... – Ela se levantou e apertou as mãos – Eu sou
uma Bruxa, existem várias Bruxas.
-Ninguém
me contou. – Ignorei o fato de ter lido algo no livro e meus ombros ficaram
tensos.
-Eu
já tenho que ir, eu prometo que em outra oportunidade eu te conto tudo que você
quiser saber, mas no momento só preciso que você acredite em mim. Kelly, eu sou
uma Bruxa diferente das outras. Descobri que controlo suas visões, aquele dia
eu te forcei a me ver na árvore, agora pouco eu te fiz ter uma visão para
acordar antes para podermos conversar. E aquele dia lá em baixo eu percebi que você
queria fugir do assunto e te fiz ter uma visão forte que causaria dor, só não
sabia que seria tão intensa, me desculpe por isso. – Ela estava afobada e falou
rápido.
-Você
precisa ir? Não pode, tem que me explicar isso. Estou confusa. Como você pode
controlar minhas visões?
-Não
sei! Mas você precisava saber. Escuta, não pode contar pra ninguém que vim aqui.
– Aquelas pérolas negras brilhavam e estavam arregaladas – As Bruxas tem um
sistema para rastrear as outras, tenho horário para voltar, se eu demorar
elas vão descobrir que estou aqui, só vamos causar problemas e é tudo que temos que evitar. – Caroline enfatizou
– Eu não contei para ninguém sobre isso e nem pretendo contar. Isso é muito
mais grave do que podemos imaginar. Existe uma guerra horrível que está por vir
e eu só quero evitá-la, mas vamos precisar nos unir. – Ela caminhou até mim e
segurou forte as minhas mãos, me senti congelada, minha mente estava a mil e eu
nem conseguia raciocinar direito – Nós não precisamos querer nos destruir. Já
houve paz entre nós e eu só queria trazê-la de volta.
-Se
ninguém pode saber que você está aqui então deveria ir. – Puxei minhas mãos.
-Pelo
menos acredite em mim. Não vou prejudicar ninguém. – Ela deu alguns passos para
trás – Temos que nos encontrar em outro lugar, para ser mais seguro para vocês.
-Isso
é impossível. Não posso sair durante o dia. – Não tinha emoção na minha voz.
-Tudo
bem. – Ela assentiu com a cabeça e se aproximou da janela.
-Como
você chegou aqui? – Perguntei balançando a cabeça, tentando entender. Ela
sorriu e apanhou uma vassoura de palha que estava ao lado da minha janela.
-Adeus
Kelly. – Ela acenou, montou na vassoura e saiu voando pela janela. VOANDO! Bizarro!
Totalmente
chocada caminhei com passos lentos para fechar a cortina que tinha ficado
aberta. Sentei na cama em desordem e tentei digerir tudo o que eu tinha ouvido
logo no começo da noite. Como seria possível ela conseguir controlar minhas
visões? E como eu posso confiar nela? Será que estamos em risco?!
•••
Estou
cada dia pior nas aulas. Levei todas as minhas dúvidas anotadas, Nicolas fez um
esforço tremendo para conseguir me explicar e eu simplesmente não conseguia
prestar atenção em uma sílaba do que ele dizia. Nicolas chegou a chamar minha
atenção umas cinco vezes, mas não adiantava. Meus olhos alcançavam a parede
atrás dele e eu relembrava de cada palavra que Caroline tinha dito, estudava
cada expressão que tinha guardado na minha memória. Acho que acabei magoando
Nicolas com a minha falta de interesse e ele me dispensou mais cedo. Fiquei tão
preocupada com aquela história de visão que acabei indo direto para a aula e
nem tomei sangue. Assim que Nicolas me dispensou fui até o refeitório, depois
subi para o escritório de Will, que como sempre estava lendo uma pilha de
papéis.
-Oi Will, posso ficar aqui?
-Claro,
mas vou precisar sair.
-Sair?
-Sim,
Heitor quer falar comigo hoje.
-Ah.
– Alcancei a poltrona em que estava acostumada a sentar – Will... Me desculpe
por ter te dito que estava enjoada de você. – Encarei o chão – Eu estava um
pouco irritada. – Levantei os olhos para ver seu rosto.
-Não
tem problema. – Ele abriu um sorrisinho – Fico feliz que tenha sido só isso. –
Ele deu uma leve gargalhada.
-Sinto
muito mesmo. – Me senti sem graça e sentei na poltrona.
-Nicolas
veio falar comigo.
-Ele
disse sobre a aula de hoje?
-Sim.
-Imagino
que ele não tenha me elogiado. – Ri um tanto sem graça.
-Estão
tendo problemas?
-Não
são problemas, mas não tenho sido uma
boa aluna.
-Ele
me disse que você estava dispersa.
-Não
consegui me concentrar. Minha cabeça estava em outro lugar.
-Você
gostaria de ter aulas com Jorge? Ele foi meu professor, sempre gostei as
explicações dele.
-Ele
pode me dar aula?
-Sim,
ele tem formação e já deu aulas antes. Posso conversar com ele.
-Acredito
que isso possa magoar o Nicolas...
-Você
pode se desculpar depois. O essencial agora é que você aprenda.
-Então
eu quero experimentar. Mas o problema não é o Nicolas, sou eu. Não consigo me
concentrar.
-Jorge
vai conseguir chamar sua atenção.
-Espero.
- Coloquei os pés em cima da cadeira, abracei as pernas e comecei a balançar
minha cabeça.
-Algum
problema?
-Não
quero mais ter que ir para as aulas. Você não pode me ensinar aqui não?
-Kelly,
não é simples. – Will me olhou fixamente.
-Eu
tenho te atrapalhado muito, não é mesmo? – Soltei os braços.
-Jamais
repita isso. – Will disse com a voz um pouco alterada e não tirava os olhos de
mim – Eu não posso te dar aulas porque não tenho formação. Mas eu vou sempre te
ajudar.
-Não
se preocupe mais com isso. Não vou mais te dar trabalho. – Apertei os olhos
para afastar as lágrimas daquela culpa imensa que estava nos meus ombros e
quando abri vi Will se levantando e caminhando até mim. Ele se agachou na minha
frente, colocou as duas mãos sobre meus joelhos e procurou por meus olhos escondidos
atrás das minhas pernas, também havia lágrimas nos seus olhos.
-Kelly,
você não me dá trabalho algum. A minha felicidade é poder cuidar de você, saber
que você está bem e está comigo. Se eu pudesse é óbvio que te daria aulas, mas
isso está um pouco além da minha capacidade. – Ele fez uma pausa e respirou
fundo – Você é a minha memória viva de que um dia eu fui humano, que um dia eu
tive uma família, que eu fui feliz. Não importa o que aconteça, quão grande for
o problema eu sempre vou estar do seu lado para cuidar de você. – Minha boca
não se abria, minha garganta estava fechada e fiquei tão aliviada que nem as
lágrimas queriam mais escorrer, levantei a cabeça e a coloquei em cima dos
joelhos, beijei levemente a mão de Will.
Alguém
bateu três vezes na porta. Will acariciou minha bochecha com uma das mãos
enquanto secava suas lágrimas com a outra. Deu um beijo na minha testa e
murmurou alguma coisa que eu não entendi. Ele se levantou e pediu para que a
pessoa entrasse. Era Jorge.
-Está
na hora Will.
-Então
vamos. – Ele pegou uma pasta de papel pardo e caminhou até a porta. Eu o
acompanhei e antes de sair parei.
-Quando
você volta?
-Em
algumas horas. Vou atrás de você quando voltar.
-Tudo
bem. – Sorri e acenei para os dois.
Comecei
ir em direção ao meu quarto lentamente, subia degrau por degrau, me lembrando
do que Will havia acabado de me dizer, então me lembrei também da aparição de
Caroline e me toquei: minha visão tinha mesmo se realizado. Os pelos do meu
braço ficaram arrepiados, ela não estava blefando, estava falando sério.
bah! (y) qroo maaais o/
ResponderExcluirEstou trabalhando no próximo capítulo. Postarei em breve :D
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