sábado, 18 de janeiro de 2014

Capítulo Treze - Ameaça Amorosa

           -Devo dizer que estou surpreso. – Nicolas disse corrigindo a lista que eu havia acabado de resolver.
            -Isso é bom ou ruim?
       -É excelente! Você foi muito bem. – Ele me entregou a folha apenas com algumas correções feitas de caneta vermelha.
            -Uau! Eu estou surpresa. Não sabia que era tão inteligente assim.
            -Meus parabéns. – Ele sorriu – Que tal fazermos um intervalo agora?
            -Claro.
            -São 21h30 agora, voltamos às 22h. – Ele tampou a caneta que estava usando.
            -Sim senhor. – Coloquei a folha no meio do livro e me levantei.
            -Vai para o refeitório? – Ele se levantou enquanto falava.
            -Não, acho que vou conversar com Will.
        -Tudo bem. Então vamos. – Ele caminhou até a porta, abriu e sinalizou para que eu passasse.
      -Obrigada. – Sorri e sai da sala. Nicolas saiu atrás de mim e nos despedimos brevemente.


            Subi um andar até chegar à sala de Willian, bati na porta como de costume e ele me mandou entrar. Sempre ocupado ele dividia a atenção entre eu e os papéis, fiquei com medo de incomodar, mas era ele quem estava prolongando a conversa. Will me perguntou sobre a aula, se eu estava me sentindo bem, coisas do tipo. Ás vezes ele parecia um pai coruja, é tão bom ter alguém que se importa comigo.
            Não é que vovó não se importava, mas é diferente. É que uma figura masculina passa mais segurança e mais proteção, além do fato que a vovó já tem mais idade e tudo se torna mais complicado. Sou eternamente grata à criação que ela me deu, o carinho que recebi e a atenção, mas de qualquer modo só tínhamos uma à outra e ninguém mais, nem mesmo meu avô.
            Sentada naquela poltrona de frente a Will esperando aqueles tortuosos trinta minutos passarem eu me toquei de como sabia tão pouco sobre minha própria vida. Eu completei dezessete anos e o que eu vivi? Nada. Cresci com uma dúvida obscura invadindo meus sonhos todas as noites, todas as crianças conheciam pelo menos sua mãe, por mais desmerecida que fosse e eu não. Por quê? Por que eu?! Muitos dos meus colegas também foram criados pelos avós, mas isso porque seus pais trabalhavam fora ou não tinham condições de criá-los e a minha história sempre foi diferente: meus pais supostamente morreram em um acidente de carro. Eu nunca acreditei nisso, por mais que desejasse eu sempre me sentia abandonada pela minha mãe, pelo meu pai, pelo meu avô, por toda a minha família. Eu era por acaso uma espécie de aberração? As pessoas por acaso tinham medo de se aproximar de mim?
            Apertei os olhos com força para impedir que qualquer lágrima por menor que fosse escorresse. Então vi aquela sombra se iluminar. Agora eu sei, sei o que aconteceu de fato. Meus pais não morreram num acidente de trânsito, eles eram criaturas como essa que me tornei, morreram porque erraram e eu fui de fato abandonada.
           
            -Kelly, você está bem? – Abri os olhos e Will estava me encarando.
            -Uhun. – Murmurei assentindo com a cabeça.
           -Você parece triste. Aconteceu alguma coisa? Nicolas disse algo que te magoou? – Ele levantou e caminhou lentamente até mim.
            -Não Will. Não é isso. Eu só comecei pensar em algumas coisas.
            -Está com saudades da mamãe?
            -Sim, um pouco. Mas não é isso. – Suspirei.
           -Seus olhos estão pesados. Quer que Nicolas te dispense? Digo para ele que você não está se sentindo bem.
            -Não gosto muito de matar aula, mas acho que dessa vez vou aceitar. – Dei um sorriso leve para Will.
            -Mas agora me diga, o que te deixou assim, pequena Tab? – Ele sorriu depois de me comparar com minha mãe.
            -Meus pais. – Soltei os ombros e senti inúmeras lágrimas brotarem. O rosto de Willian adotou uma expressão de espanto.
            -Você vai ficar bem? – Ele se abaixou até ficar na minha altura.
            -Por que eu não pude ter uma vida normal? – Fechei os olhos com força outra vez.
            -Porque você é boa demais para ter uma vida normal. – Will me abraçou forte – Kelly, eu posso te garantir que esse passado doloroso foi preciso para o seu futuro promissor. – Ele me apertava na tentativa de me confortar.
            -Will, suas palavras são doces. – Me soltei do seu abraço confortável e fitei seus olhos cor de prata – Mas do que adianta ter um futuro brilhante se eu não pude conhecer os meus pais? Eles não me quiseram Will. – Não pude controlar, algumas lágrimas começaram a escorrer.
            -Kelly – Ele disse com uma voz mansa enquanto passava o dedão direito sobre a minha bochecha enxugando as lágrimas – Nunca mais repita isso. Eles te amavam.
            -Então vocês estão me enchendo de mentiras mais uma vez? Você disse que a minha mãe ficou louca e meu pai entrou em depressão, me abandonou para ir atrás da minha mãe supostamente morta! – Alterei a voz.
            -Querida, escuta. Não é simples desse jeito. Não estamos mentindo, estamos te protegendo.
       -Fala logo Will, por favor, fala de uma vez porque eles morreram. – Eu já estava soluçando.
            -A sua mãe perdeu mesmo a consciência e seu pai foi atrás dela inúmeras vezes, mas ele sempre voltava. Então começaram alguns boatos sobre uma profecia maligna, tudo indicava que seus pais foram pegos para que essa profecia se realizasse. Eles foram usados. – Minhas lágrimas cessaram instantaneamente – Eles te amavam, sua mãe... – A voz de Will sumiu – Sua mãe te amava tanto. – Um sorriso bobo brotou em seu rosto – Quando você foi pra casa pela primeira vez todos nós ficamos felizes, você sempre foi nossa alegria. Sua mãe não te soltava nunca, tinha noites em que ela dormia na cadeira só para poder ficar te segurando. Nós te amamos e vamos sempre te amar. Nunca quisemos te abandonar. Digo isso em nome dos seus pais. – Os olhos de Willian começaram a marejar também.
           
            Abracei Will com muita força, era tudo que eu conseguiria fazer naquele momento.

            •••

            Sai da sala de Will poucos minutos antes do relógio marcar 22h. Subi mais dois lances de escada até poder chegar ao meu quarto, lá em cima tive o desgosto de me encontrar com Alice, mesmo tendo visto seu rosto por pouco tempo aquele dia foi impossível não reconhecer. Uma garota metida com cara de mal humorada. Ela me lançou um olhar frio e cheio de ódio, que eu fiz questão de ignorar. Antes de poder alcançar a maçaneta da minha porta vi ela se aproximar.

            -Você é a novata que estava com Thiago aquele dia.
            -Sou. – Não foi uma pergunta, mas respondi mesmo assim.
            -Não tenho visto você na aula, pensei que já tivesse morrido. – Ela riu com desprezo.
            -Pra sua felicidade ainda estou viva. – Lancei um sorriso irônico.
            -Não deveria faltar tanto às aulas, você vai ficar para trás. – Ele devolveu o sorriso.
-Não falto. Sou tão boa que você não consegue me ver. – Abri a porta e entrei no quarto, deixei Alice para fora falando sozinha. Que garota mais enjoativa. Eca.

            Tudo indica que ela é louca pelo Thiago e me vê como possível ameaça para seus planos amorosos. Quanta infantilidade, devo realmente merecer um castigo desses. Ficou bem claro que não vamos nos dar bem, espero que nossos caminhos se cruzem o mínimo possível.
            Fui para o banheiro me encarar no espelho. Pelo tanto que chorei até que estava com uma aparência boa. Passei um pouco de água no rosto e com papel tirei a maquiagem que tinha passado quando acordei. Meu rosto estava bem melhor, as manchas vermelhas tinham se reduzido e eu quase não sentia dor. Olhei para os meus braços que estavam muito vermelhos, mexer com eles não doía, mas quando toquei aquelas marcas vermelhas parecia que meus dedos tinham se tornado lâminas e perfurava cada lugar que eu tocava, meus braços doíam tanto que pensei que os tivesse perdendo. Entrei embaixo do chuveiro para ver se a água gelada ajudaria a amenizar e de fato ajudou, não tanto quanto eu esperava, mas eu já não sentia mais tanta dor.
            Antes de colocar meu pijama passei creme no rosto e nos braços para ver se ajudaria a queimadura melhorar. Depois escovei meus dentes e me joguei na cama, encarei o teto relembrando da cara daquela garota mimada e me lembrei: antes de subir pra aula com Nicolas eu deixei Thiago sozinho no refeitório.


2 comentários:

  1. Gostei muito do jeito da kely, sua atitude o/ qro briga! briga! briga rsrss'

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