-Devo dizer que estou surpreso. –
Nicolas disse corrigindo a lista que eu havia acabado de resolver.
-Isso
é bom ou ruim?
-É
excelente! Você foi muito bem. – Ele me entregou a folha apenas com algumas
correções feitas de caneta vermelha.
-Uau!
Eu estou surpresa. Não sabia que era tão inteligente assim.
-Meus
parabéns. – Ele sorriu – Que tal fazermos um intervalo agora?
-Claro.
-São
21h30 agora, voltamos às 22h. – Ele tampou a caneta que estava usando.
-Sim
senhor. – Coloquei a folha no meio do livro e me levantei.
-Vai
para o refeitório? – Ele se levantou enquanto falava.
-Não,
acho que vou conversar com Will.
-Tudo
bem. Então vamos. – Ele caminhou até a porta, abriu e sinalizou para que eu
passasse.
-Obrigada.
– Sorri e sai da sala. Nicolas saiu atrás de mim e nos despedimos brevemente.
Subi
um andar até chegar à sala de Willian, bati na porta como de costume e ele me
mandou entrar. Sempre ocupado ele dividia a atenção entre eu e os papéis,
fiquei com medo de incomodar, mas era ele quem estava prolongando a conversa.
Will me perguntou sobre a aula, se eu estava me sentindo bem, coisas do tipo.
Ás vezes ele parecia um pai coruja, é tão bom ter alguém que se importa comigo.
Não
é que vovó não se importava, mas é diferente. É que uma figura masculina passa
mais segurança e mais proteção, além do fato que a vovó já tem mais idade e
tudo se torna mais complicado. Sou eternamente grata à criação que ela me deu,
o carinho que recebi e a atenção, mas de qualquer modo só tínhamos uma à outra
e ninguém mais, nem mesmo meu avô.
Sentada
naquela poltrona de frente a Will esperando aqueles tortuosos trinta minutos
passarem eu me toquei de como sabia tão pouco sobre minha própria vida. Eu
completei dezessete anos e o que eu vivi? Nada. Cresci com uma dúvida obscura
invadindo meus sonhos todas as noites, todas as crianças conheciam pelo menos
sua mãe, por mais desmerecida que fosse e eu não. Por quê? Por que eu?! Muitos
dos meus colegas também foram criados pelos avós, mas isso porque seus pais trabalhavam
fora ou não tinham condições de criá-los e a minha história sempre foi
diferente: meus pais supostamente morreram em um acidente de carro. Eu nunca acreditei
nisso, por mais que desejasse eu sempre me sentia abandonada pela minha mãe,
pelo meu pai, pelo meu avô, por toda a minha família. Eu era por acaso uma
espécie de aberração? As pessoas por acaso tinham medo de se aproximar de mim?
Apertei
os olhos com força para impedir que qualquer lágrima por menor que fosse
escorresse. Então vi aquela sombra se iluminar. Agora eu sei, sei o que
aconteceu de fato. Meus pais não morreram num acidente de trânsito, eles eram
criaturas como essa que me tornei, morreram porque erraram e eu fui de fato
abandonada.
-Kelly,
você está bem? – Abri os olhos e Will estava me encarando.
-Uhun.
– Murmurei assentindo com a cabeça.
-Você
parece triste. Aconteceu alguma coisa? Nicolas disse algo que te magoou? – Ele
levantou e caminhou lentamente até mim.
-Não
Will. Não é isso. Eu só comecei pensar em algumas coisas.
-Está
com saudades da mamãe?
-Sim,
um pouco. Mas não é isso. – Suspirei.
-Seus
olhos estão pesados. Quer que Nicolas te dispense? Digo para ele que você não
está se sentindo bem.
-Não
gosto muito de matar aula, mas acho que dessa vez vou aceitar. – Dei um sorriso
leve para Will.
-Mas
agora me diga, o que te deixou assim, pequena Tab? – Ele sorriu depois de me
comparar com minha mãe.
-Meus
pais. – Soltei os ombros e senti inúmeras lágrimas brotarem. O rosto de Willian
adotou uma expressão de espanto.
-Você
vai ficar bem? – Ele se abaixou até ficar na minha altura.
-Por
que eu não pude ter uma vida normal? – Fechei os olhos com força outra vez.
-Porque
você é boa demais para ter uma vida normal. – Will me abraçou forte – Kelly, eu
posso te garantir que esse passado doloroso foi preciso para o seu futuro
promissor. – Ele me apertava na tentativa de me confortar.
-Will,
suas palavras são doces. – Me soltei do seu abraço confortável e fitei seus
olhos cor de prata – Mas do que adianta ter um futuro brilhante se eu não pude
conhecer os meus pais? Eles não me quiseram Will. – Não pude controlar, algumas
lágrimas começaram a escorrer.
-Kelly
– Ele disse com uma voz mansa enquanto passava o dedão direito sobre a minha
bochecha enxugando as lágrimas – Nunca mais repita isso. Eles te amavam.
-Então
vocês estão me enchendo de mentiras mais uma vez? Você disse que a minha mãe
ficou louca e meu pai entrou em depressão, me abandonou para ir atrás da minha
mãe supostamente morta! – Alterei a voz.
-Querida,
escuta. Não é simples desse jeito. Não estamos mentindo, estamos te protegendo.
-Fala
logo Will, por favor, fala de uma vez porque eles morreram. – Eu já estava
soluçando.
-A
sua mãe perdeu mesmo a consciência e seu pai foi atrás dela inúmeras vezes, mas
ele sempre voltava. Então começaram alguns boatos sobre uma profecia maligna,
tudo indicava que seus pais foram pegos para que essa profecia se realizasse.
Eles foram usados. – Minhas lágrimas cessaram instantaneamente – Eles te
amavam, sua mãe... – A voz de Will sumiu – Sua mãe te amava tanto. – Um sorriso
bobo brotou em seu rosto – Quando você foi pra casa pela primeira vez todos nós
ficamos felizes, você sempre foi nossa alegria. Sua mãe não te soltava nunca,
tinha noites em que ela dormia na cadeira só para poder ficar te segurando. Nós
te amamos e vamos sempre te amar. Nunca quisemos te abandonar. Digo isso em
nome dos seus pais. – Os olhos de Willian começaram a marejar também.
Abracei
Will com muita força, era tudo que eu conseguiria fazer naquele momento.
•••
Sai
da sala de Will poucos minutos antes do relógio marcar 22h. Subi mais dois
lances de escada até poder chegar ao meu quarto, lá em cima tive o desgosto de
me encontrar com Alice, mesmo tendo visto seu rosto por pouco tempo aquele dia
foi impossível não reconhecer. Uma garota metida com cara de mal humorada. Ela
me lançou um olhar frio e cheio de ódio, que eu fiz questão de ignorar. Antes
de poder alcançar a maçaneta da minha porta vi ela se aproximar.
-Você
é a novata que estava com Thiago aquele dia.
-Sou.
– Não foi uma pergunta, mas respondi mesmo assim.
-Não
tenho visto você na aula, pensei que já tivesse morrido. – Ela riu com
desprezo.
-Pra
sua felicidade ainda estou viva. – Lancei um sorriso irônico.
-Não
deveria faltar tanto às aulas, você vai ficar para trás. – Ele devolveu o
sorriso.
-Não falto. Sou tão boa
que você não consegue me ver. – Abri a porta e entrei no quarto, deixei Alice
para fora falando sozinha. Que garota mais enjoativa. Eca.
Tudo
indica que ela é louca pelo Thiago e me vê como possível ameaça para seus
planos amorosos. Quanta infantilidade, devo realmente merecer um castigo desses.
Ficou bem claro que não vamos nos dar bem, espero que nossos caminhos se cruzem
o mínimo possível.
Fui
para o banheiro me encarar no espelho. Pelo tanto que chorei até que estava com
uma aparência boa. Passei um pouco de água no rosto e com papel tirei a
maquiagem que tinha passado quando acordei. Meu rosto estava bem melhor, as
manchas vermelhas tinham se reduzido e eu quase não sentia dor. Olhei para os
meus braços que estavam muito vermelhos, mexer com eles não doía, mas quando
toquei aquelas marcas vermelhas parecia que meus dedos tinham se tornado
lâminas e perfurava cada lugar que eu tocava, meus braços doíam tanto que
pensei que os tivesse perdendo. Entrei embaixo do chuveiro para ver se a água
gelada ajudaria a amenizar e de fato ajudou, não tanto quanto eu esperava, mas
eu já não sentia mais tanta dor.
Antes
de colocar meu pijama passei creme no rosto e nos braços para ver se ajudaria a
queimadura melhorar. Depois escovei meus dentes e me joguei na cama, encarei o
teto relembrando da cara daquela garota mimada e me lembrei: antes de subir pra
aula com Nicolas eu deixei Thiago sozinho no refeitório.
(y')
ResponderExcluirGostei muito do jeito da kely, sua atitude o/ qro briga! briga! briga rsrss'
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