sábado, 4 de janeiro de 2014

Capítulo Doze - Professor Nicolas

Aquela droga de despertador estava berrando na minha cabeça. Droga, droga, droga. Abri os olhos com dificuldade e o desativei. Precisava levantar, mas tive um dia (ou noite, ainda me confundo) tão agitado que o sono não me largava. Acho que se eu piscar devo cochilar. Me espreguicei ainda deitada e fiz um esforço tremendo para conseguir levantar. Arrastei meus pés até o banheiro e me enfiei em baixo do chuveiro, precisava despertar de qualquer maneira. E quer saber? Até que funcionou. O sono me deixou um pouco de lado e eu consegui me arrumar. Depois passei um pouco de maquiagem para tentar amenizar as marcas vermelhas no rosto e também as olheiras grandes. Senti um pouco de dor na minha cabeça outra vez, mas não foi nada comparado ao do dia anterior, por sorte.

            Desci até o escritório de Will, mas ele ainda não estava lá. Aproveitei e fui até a enfermaria novamente, Cristina já havia chegado e me examinou rapidamente, pedi mais um analgésico e o engoli com água. Perguntei sobre Will e ela disse que tinha encontrado com ele no refeitório. Aproveitei que meu estômago também estava gritando e fui até lá. Encontrei-o parado perto de uns freezers ao fundo conversando com Jorge, eles pareciam se divertir. Caminhei até lá e eles me olharam sorrindo, cumprimentei Jorge com um aceno de cabeça.

            -Boa noite Kelly, tudo bem? – Will parecia tranquilo.
            -Tudo sim. – Sorri de volta – Preciso de um favor.
            -Claro, diga.
            -Preciso de uma sala. Será que tem alguma disponível?
            -Uma sala?! – Ele me olhou com certo espanto.
            -É, uma sala de aula.
            -Pra que você quer uma sala? Sua aula começa em breve. – Corei levemente ao me lembrar de que ele não sabia do ocorrido.
            -Cristina não contou? – Apertei os lábios.
            -O que aconteceu?
            -Ontem sai da enfermaria depois que Cristina tinha saído e desci. Queria ver como estava o dia e abri a cortina. – Me constrangi um pouco e Willian soltou um longo suspiro.
            -E você está bem?
            -Meu rosto está ardendo um pouco, mas não me sinto mal. Cristina me proibiu de sair de casa por um mês, Nicolas vai me ajudar com as aulas teóricas.
            -Sim, tenho uma sala disponível para vocês. – Ele abriu um sorriso curto – Uma pena você ter aprontado. Jorge estava me contando como Thiago te elogiou nas aulas práticas.
            -Ah... – Fiquei sem reação, Thiago fala de mim? – Mesmo?
            -Sim. – Jorge se pronunciou – Disse que você é esperta e esforçada.
            -Agradeça ele por mim. – Sorri e senti minhas bochechas esquentarem.
            -Claro. – Jorge abriu um sorriso também, era bonito. Ele parecia ser muito legal.
            -Tá com sede? – Willian me perguntou.
            -Um pouco.

Ele abriu o freezer e de dentro tirou uma bolsa de sangue e me entregou. Rasguei uma beiradinha como já estava se tornando rotina e tomei um gole. Will e Jorge já estavam terminando suas bolsas de sangue e eu continuei conversando com eles. Assim que terminaram de tomar o sangue Will disse que era para pegarmos a chave na sala dele. Ele e Jorge saíram e eu me dirigi a uma mesa vazia perto da porta, me sentei para terminar a bolsa e esperar Nicolas. Aquele sangue estava mais saboroso do que os outros que eu já havia tomado. Estava tão distraída saboreando aquilo que só percebi a presença de Thiago quando ele se sentou na minha frente.

-Tudo bem com você Kelly?
-Tudo. – Sorri – E com você?
-Também. Está melhor?
-Estou sim. – Tinha esquecido que ele me presenciou desmaiada na enfermaria.
-Ótimo. – Ele deu um sorriso fofo – Pelo jeito se acostumou com o sangue. – Ele riu acenando com a cabeça em direção à bolsa quase vazia na minha mão.
-Sim, foi inútil relutar. – Ri junto com Thiago.
-Vou lá pegar uma para mim. – Ele disse se levantando.
-Tudo bem.

Sorri e o vi se afastar, o freezer não estava no meu campo de visão, então eu o perdi de vista. Terminei de beber o sangue que estava na bolsa e olhei para um relógio na parede que marcava 18h30, em ponto. Vi um lixo próximo à mesa e me levantei para me desfazer daquela bolsa de sangue. Assim que estava retornando a mesa vi a enorme porta do refeitório se abrir e Nicolas entrou. Ele me encontrou com seus olhos verdes e caminhou até mim sorrindo. Ele tinha dois livros no braço e algumas folhas.

-Consegui uma sala.
-Que ótimo. – Ele riu – Deve ter uma lábia muito boa.
-Só disse a verdade. – Ri com ele – Quer ajuda? – Olhei para os livros.
-Não precisa. Vamos?
-Vamos, só precisamos pegar a chave na sala de Will.

Nicolas concordou e nós nos retiramos do refeitório e subimos a escada conversando como se fossemos amigos de longa data. Ele me perguntou como consegui conversar com Willian e eu contei que ele era irmão da minha mãe, mas me limitei a isso. Não queria ficar contando o desastre que havia acontecido em nossas vidas para qualquer um. Apesar de legal, eu ainda não conhecia Nicolas tão bem assim. Alcançamos o andar no qual se localizava a sala de Willian, bati levemente na porta e com a voz ocupada gritou um “entre”. Abri a porta e caminhei até a sua escrivaninha, Nicolas esperou do lado de fora, peguei a chave rapidamente e fomos em direção à sala. Ela era toda clara e algumas carteiras brancas normais enfileiradas do lado esquerdo, uma mesa mais comprida também branca que estava com alguns pacotes de papel ficava a frente, acredito que seja a mesa do professor e ao lado direito havia três mesas redondas igualmente brancas com sete cadeiras, no centro de cada uma havia um porta-lápis totalmente preenchido com lápis, canetas e lápis de cor. Nicolas se dirigiu até a primeira delas, depositou os livros e suas folhas, me aproximei e sentei em uma cadeira esperando que ele dissesse algo, então se sentou ao meu lado e me entregou um dos livros.

-Vamos lá. – Ele segurou uma das folhas – Bom Kelly, a primeira parte teórica que é ensinada àqueles que estão passando pela pré-transformação é sobre ela. Essa é uma leitura obrigatória e assim que terminar o livro vai fazer uma prova. Você tem duas semanas para lê-lo. Ele não é grande, não é complexo e acho que você vai gostar. – Ele olhou para o livro em minhas mãos e acenou com a cabeça, li na capa ‘Manual de Transformação’, parece interessante.
-Legal, não tenho mais nada para fazer mesmo. Vou dar conta.
-Assim espero. – Ele deu sua risada fofa outra vez – Vamos conversar um pouco sobre ela, vou tirar todas as suas dúvidas, mas mesmo assim você deve ler, combinado? – Assenti com a cabeça – Perfeito. Bom, você se lembra de quando foi mordida?
-Como esquecer a segunda noite mais dolorosa da minha vida? – Virei os olhos e ele riu de mim – Lembro de acordar sentindo muita dor no pescoço, em cima da mordida e depois de um tempo parecia que estava pegando fogo. Ai Will me deu uma bolsa de sangue e disse que melhoraria, mas eu não tive coragem de tomar.
-Você não tomou? – Nicolas me olhou com certo espanto.
-Não.
-Então você passou mal depois?
-Sim. Fiquei muito tonta e sentia dor.
-Quando você tomou sangue se sentiu melhor?
-Pareceu um remédio de efeito instantâneo.
-Excelente! – Ele estava tão empolgado que nem parecia mais o garoto que tinha beijado minha mão – Primeiro sintoma que a transformação está indo bem é a reação do organismo quando o sangue é consumido.
-Eu sinto minhas presas crescerem, é normal ou é só ilusão?
-Isso foi um pouco precoce. Elas começam a se alongar algumas semanas depois, mas nada impede que aconteça antes. Posso dar uma olhada?
-Tá. – Ri antes de abrir a boca.
-Caraca! Elas estão grandinhas mesmo. E a propósito, você tem dentes bonitos – Ele brincou e eu ri – São ferozes também.
-São úteis para intimidar. – Rimos juntos.
-Sentiu alguma outra coisa?
-Além da sensibilidade estou conseguindo pular. Não tão bem quanto os outros, mas melhor que os humanos.
-Você está indo bem. Fico feliz. – Nicolas sorriu e me encarou profundamente.
-Tenho uma pergunta. – Ele continuou olhando – O que acontece com nosso sangue? – Ele levantou os olhos e pensou um pouco.
-Não é uma pergunta muito comum. Pra falar a verdade nunca ouvi ninguém questionar sobre isso. – Ele pensou um pouco – Talvez a Cris possa te responder melhor já que é a área dela, mas até onde minha ignorância permite que eu entenda nos acabamos consumindo nosso sangue como reserva de energia.
-Que estranho. Pensei que tivesse um fim diferente.
-Nada é como pensamos. – Juro que pude sentir afeto no seu olhar.
-Nada é uma palavra forte. Nem tudo é como pensamos, algumas coisas são.
-E você pensou que um dia se tornaria vampira?
-Não, mas sempre pensei que vampiros tinham presas alongadas. Não estava errada. – Sorri.
-Nunca pensei que seria professor. – Ele fez cara de tédio.
-Foi você quem se ofereceu! – Me indignei com a sua expressão e continuei rindo.
-Droga, você tem razão. – Ele fechou a cara, enrugando a testa.
-Tudo bem, já que você ama essa profissão que tal continuarmos com a aula?
-Que ideia espetacular! – Nicolas zombou de mim.
-Ótimo, ótimo. – Fiz cara feia – O que tem nessas folhas?
-São alguns exercícios de gramática, literatura e matemática.
-Ah, você só pode estar brincando! Matérias da escola?
-Acho que você era uma péssima aluna. – Ele disse rindo.

-Eu era ótima, tá bem? Me dá isso aqui! – Sentindo meu ego um pouco ferido peguei uma das folhas e comecei a resolver.

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