domingo, 3 de novembro de 2013

Capítulo Oito - Sim, elas existem

Foi uma droga. O final do meu dia (ou noite, ainda não sei bem) foi uma droga. Na volta Willian não falou uma palavra sequer. Estava totalmente irritado, bravo e pensativo.
Nesse momento estava no meu quarto, andando de um lado para o outro e observando o frasco. O que era aquilo? Me joguei de costas contra o colchão, que me jogou pra cima duas vezes antes de conseguir ficar parada. Era tudo tão estranho, aconteceu de forma tão rápida, tão apressada. Quem era aquela menina? O que era esse líquido? Por que ela iria jogar no garoto? Por que ela e Will pareceram se odiar tanto?
Coloquei o frasquinho dentro da gaveta do criado mudo e fechei os olhos. Eu me senti cansada, esgotada. Meu dia foi um tanto tumultuado. Minha cabeça começou a latejar. Ótimo, era tudo o que eu precisava: uma dor de cabeça bem agora. Em um dia eu tive três visões, se continuar assim acho que eu vou enlouquecer. É horrível, não sei lidar com isso, não sei até que ponto é bom e até qual não é. Detesto me sentir incapaz quando a meus olhos ficam embaçados. Sinto uma tontura terrível, um enjoo pior ainda e parece que vou cair para sempre.

A imagem do garoto veio na minha mente, meu coração ficou apertado. Ele quase morreu aquela noite e não fazia ideia disso. Talvez não tenha se despedido dos pais antes de sair de casa, talvez tenha acabado de brigar com a namorada ou de se divertir com os amigos e então ele nunca mais respiraria novamente.
Esse tipo de pensamento inflou meu ego. Por bem ou mal, querendo ou não, eu salvei a vida daquele menino.
Tive uma ideia! Como não pensei nisso antes? Levantei-me num pulo, fiquei sentada enquanto o colchão chacoalhava outra vez, alcancei os pés no chão, me impulsionei para frente e fiquei em pé. Passei a mão no cabelo e ajeitei a blusa, dei alguns passos largos e apressados até a porta, girei a maçaneta fazendo-a se abrir, sai do quarto, a fechei novamente e como se tivesse uma foto do frasco na mente me dirigi à biblioteca, talvez lá tivesse algum computador.
Se aquele líquido perturbou Will provavelmente tem algo por trás de um simples “suco de morango pálido” e eu precisava descobrir.
Desci alguns lances de escada até avistar a porta da biblioteca. Esperei encontrar algo familiar, como uma bibliotecária sentada atrás do computador central, próximo a ela alguns computadores antigos à disposição dos alunos e algumas prateleiras com obras literárias obrigatórias e importantes, assim como na escola. Mas então ao empurrar a porta levei um susto. Todas as minhas expectativas foram quebradas ao me deparar com prateleiras imensas e abarrotadas de livros velhos, amarelados e alguns despedaçados. Havia um monitor com um par de óculos de lentes pequenas e tinha expressão autoritária. Ele era alto e seus ombros eram regularmente largos. Era muito intimidador e fiquei com medo quando me olhou torto por causa do barulho da porta.
Me frustrei totalmente ao não avistar qualquer tipo de tecnologia. Tudo que havia lá eram livros velhos, mesas de estudo, duas ou três pessoas e o monitor bravo. Assustada, caminhei em “passos de felino”, tentando controlar até minha respiração que parecia uma máquina barulhenta de fábrica e me escondi atrás de algumas prateleiras, estava no terceiro corredor, ele e os outros estavam abarrotados e com um cheiro muito forte de papel velho. Fui por trás até alcançar o último corredor, ele era incrivelmente diferente. Era cheio de livros, mas eles estavam mais conservados, ainda eram velhos, porém estavam inteiros. Um deles me chamou muita atenção. Estava no meio da prateleira central, era bem grosso e sua capa aveludada na cor de uva se destacava entre as marrons desgastadas. O título era bem diferente do que eu esperava: “Encantos e Magia”. Uau! Será que era um romance? Antes de pegá-lo hesitei por alguns minutos por conta do seu tamanho, mas não resisti. Retirei-o da prateleira e abri.
Outra vez não era o que eu esperava! O índice indicava as páginas de receitas de feitiços! Me choquei, a curiosidade aumentava a cada linha lida, folheei o livro rapidamente, algumas imagens que pareciam coloridas a mão e a letra cursiva exigia bastante concentração para ser compreendida. As primeiras páginas eram “tranquilas”, ensinavam simpatias para conquistar, hipnotizar, receitas de poções do amor, mas então começaram a aparecer receitas de poções maléficas, destruidoras e algumas alegavam matar. Não estava entendendo nada, fechei o livro e li a capa, então entendi tudo. Na capa, com fonte dourada, estava impresso: Livro exclusivo para Bruxas. Bruxas! Grafado com letra maiúscula! Aquilo era sério?! Existem Bruxas? Abri o livro e deixei que caísse em qualquer página, me arrepiou quando vi que na página aberta estava falando sobre o suco de morango pálido. Observei o desenho, o vidro, a quantidade, parecia tudo idêntico ao frasco real.
Alguém arranhou a garganta e eu levei um susto fechando o livro. Levantei os olhos e o monitor me encarava com a mesma cara feia.

-Onde está a sua autorização? – Sua voz grossa me espantou.
-Autorização? – Fiquei confusa e ele levantou os olhos parecendo ler uma placa. E havia mesmo uma placa ali, mas eu não consegui ler.
-Só pessoas autorizadas podem circular por esse corredor.
-Eu não tenho autorização.
-Então a senhorita precisa se retirar.
-Tudo bem. – Abracei o livro contra o peito e tentei passar por ele.
-O livro fica.
-Mas... É uma biblioteca, não posso levá-lo?
-Não.
-Então eu fico por aqui.
-Acho que a senhorita não me entendeu. Esse corredor é restrito e o seu conteúdo também. Você não pode ler nenhum livro pertencente a esse corredor.
-Isso não é possível. Por que não?! – Fiquei realmente intrigada.
-Não questione. Me entregue o livro. – Sua voz saiu áspera eu estremeci de medo.
-Desculpe. – Entreguei o livro e sai com a cabeça baixa. Esse monitor realmente me deu muito medo, sua voz era horrível e eu me senti fazendo a coisa mais errada do mundo.

Sai da biblioteca o mais rápido e mais silencioso que pude, voltei pro meu quarto em passos mais rápidos. Minha cabeça estava a mil e a dor havia voltado. Meus olhos começaram a pesar e eu entrei em desespero ao relembrar o que tinha lido na capa. Será que Will sabia disso? Que ela era Bruxa e aquilo era uma poção, por isso não quis me contar? Precisava descobrir mais sobre aquele livro, mas eu estava proibida de circular por aquele corredor, precisava descobrir de qualquer jeito. Enquanto arquitetava um plano infalível fiz tudo automaticamente, abri a porta do quarto, fui me trocar, ajeitei a cama e me lembrei da cortina.
Todos os pensamentos ligados aos ocorridos do dia foram embora quando olhei pra janela. O Sol começava a se levantar preguiçoso, vi seus raios ao longe, o que foi bom já que não senti dor. Como era bonito, como eu sentia falta dele...
Puxei a cortina com vontade até não poder enxergar nada da janela. Meus olhos coçaram e senti uma pressão na testa. Sim, eu precisava mesmo dormir.

•••

Quase pulei de alegria quando abri os olhos e não me lembrei de ter sonhado com Bruxas nem nada do tipo. Foi um descanso merecido, me senti revitalizada. Estiquei os braços com os punhos cerrados e apertei os olhos. Poderia dormir por mais umas três ou quatro horas.  Alcancei meu celular, ele marcava 17h30. Olhei ao redor, tudo estava tranquilo. Joguei os cobertores de lado e fui lentamente até o banheiro, lavei o rosto, troquei de roupa e estava escovando os dentes.
Sabe, eu não sinto tanta falta de comida. É como se eu tivesse perdido o hábito de me alimentar. O bom disso é que eu realmente não preciso de comida agora. Sorri me olhando no espelho, hoje parecia que o dia ia ser melhor. Então alguém deu algumas batidas suaves na porta. Fui até lá e a abri, era Willian. Chamei-o para entrar e ele se sentou na minha cama desarrumada.

-Dormiu bem? – Ele parecia ansioso.
-Sim, dormi como uma pedra. – Estava em pé na sua frente.
-Kelly, eu quero te pedir desculpa por ontem. Eu estava muito preocupado, briguei com você e não devia ter feito isso. É tudo muito novo pra você e eu me esqueço disso. Me desculpa. – Depois de falar sua expressão suavizou.
-Tudo bem Will. – Sorri.
-Quer ir caçar de novo?
-Não tenho certeza se é uma boa ideia.
-Que tal você se decidir depois da aula? – Ele fez um barulho com a boca quando fechou o olho direito e usou a mão como se fosse uma arma.
-Pode ser. – Ri
-Trouxe um lanchinho por enquanto. – Ele estendeu um saco de sangue como o outro que eu havia tomado.
-Acabei de escovar os dentes.
-Ainda dá tempo de escovar de novo. – Will praticamente colocou-o na minha mão.
-Tá bem. – Peguei.
-Agora vou terminar de arrumar a papelada. Te encontro depois da aula. – Se levantou e me beijou na testa – Tchau Kelly. – Caminhou até a porta.
-Will, por que não posso ler os livros do corredor cinco? – Seus olhos se arregalaram um pouco.
-Fique longe do corredor cinco. – Disse antes de sumir por detrás da porta.


Com certeza não poderia saber o que era, mas eu vou descobrir, claro que vou. Respirei fundo e encarei o saquinho. Aquilo ia ser parte do meu dia-a-dia, então dessa vez o bebi sem hesitar e sem parecer uma leoa faminta. Não tive visão, o que foi um ótimo sinal. Talvez as coisas estejam normalizando agora. Joguei o saquinho no lixo do banheiro, escovei os dentes outra vez e desci para a aula.

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