Foi uma droga. O final do meu dia (ou
noite, ainda não sei bem) foi uma droga. Na volta Willian não falou uma palavra
sequer. Estava totalmente irritado, bravo e pensativo.
Nesse momento estava no
meu quarto, andando de um lado para o outro e observando o frasco. O que era
aquilo? Me joguei de costas contra o colchão, que me jogou pra cima duas vezes
antes de conseguir ficar parada. Era tudo tão estranho, aconteceu de forma tão
rápida, tão apressada. Quem era aquela menina? O que era esse líquido? Por que
ela iria jogar no garoto? Por que ela e Will pareceram se odiar tanto?
Coloquei o frasquinho
dentro da gaveta do criado mudo e fechei os olhos. Eu me senti cansada,
esgotada. Meu dia foi um tanto tumultuado. Minha cabeça começou a latejar. Ótimo,
era tudo o que eu precisava: uma dor de cabeça bem agora. Em um dia eu tive
três visões, se continuar assim acho que eu vou enlouquecer. É horrível, não
sei lidar com isso, não sei até que ponto é bom e até qual não é. Detesto me
sentir incapaz quando a meus olhos ficam embaçados. Sinto uma tontura terrível,
um enjoo pior ainda e parece que vou cair para sempre.
A imagem do garoto veio na
minha mente, meu coração ficou apertado. Ele quase morreu aquela noite e não
fazia ideia disso. Talvez não tenha se despedido dos pais antes de sair de
casa, talvez tenha acabado de brigar com a namorada ou de se divertir com os
amigos e então ele nunca mais respiraria novamente.
Esse tipo de pensamento
inflou meu ego. Por bem ou mal, querendo ou não, eu salvei a vida daquele
menino.
Tive uma ideia! Como não
pensei nisso antes? Levantei-me num pulo, fiquei sentada enquanto o colchão
chacoalhava outra vez, alcancei os pés no chão, me impulsionei para frente e
fiquei em pé. Passei a mão no cabelo e ajeitei a blusa, dei alguns passos
largos e apressados até a porta, girei a maçaneta fazendo-a se abrir, sai do
quarto, a fechei novamente e como se tivesse uma foto do frasco na mente me
dirigi à biblioteca, talvez lá tivesse algum computador.
Se aquele líquido
perturbou Will provavelmente tem algo por trás de um simples “suco de morango
pálido” e eu precisava descobrir.
Desci alguns lances de
escada até avistar a porta da biblioteca. Esperei encontrar algo familiar, como
uma bibliotecária sentada atrás do computador central, próximo a ela alguns
computadores antigos à disposição dos alunos e algumas prateleiras com obras
literárias obrigatórias e importantes, assim como na escola. Mas então ao
empurrar a porta levei um susto. Todas as minhas expectativas foram quebradas
ao me deparar com prateleiras imensas e abarrotadas de livros velhos,
amarelados e alguns despedaçados. Havia um monitor com um par de óculos de
lentes pequenas e tinha expressão autoritária. Ele era alto e seus ombros eram
regularmente largos. Era muito intimidador e fiquei com medo quando me olhou
torto por causa do barulho da porta.
Me frustrei totalmente ao
não avistar qualquer tipo de
tecnologia. Tudo que havia lá eram livros velhos, mesas de estudo, duas ou três
pessoas e o monitor bravo. Assustada, caminhei em “passos de felino”, tentando
controlar até minha respiração que parecia uma máquina barulhenta de fábrica e
me escondi atrás de algumas prateleiras, estava no terceiro corredor, ele e os
outros estavam abarrotados e com um cheiro muito forte de papel velho. Fui por
trás até alcançar o último corredor, ele era incrivelmente diferente. Era cheio
de livros, mas eles estavam mais conservados, ainda eram velhos, porém estavam inteiros.
Um deles me chamou muita atenção. Estava no meio da prateleira central, era bem
grosso e sua capa aveludada na cor de uva se destacava entre as marrons
desgastadas. O título era bem diferente do que eu esperava: “Encantos e Magia”. Uau! Será que era um
romance? Antes de pegá-lo hesitei por alguns minutos por conta do seu tamanho,
mas não resisti. Retirei-o da prateleira e abri.
Outra vez não era o que eu
esperava! O índice indicava as páginas de receitas de feitiços! Me choquei, a
curiosidade aumentava a cada linha lida, folheei o livro rapidamente, algumas
imagens que pareciam coloridas a mão e a letra cursiva exigia bastante
concentração para ser compreendida. As primeiras páginas eram “tranquilas”,
ensinavam simpatias para conquistar, hipnotizar, receitas de poções do amor,
mas então começaram a aparecer receitas de poções maléficas, destruidoras e
algumas alegavam matar. Não estava entendendo nada, fechei o livro e li a capa,
então entendi tudo. Na capa, com fonte dourada, estava impresso: Livro
exclusivo para Bruxas. Bruxas! Grafado com letra maiúscula! Aquilo era sério?!
Existem Bruxas? Abri o livro e deixei que caísse em qualquer página, me
arrepiou quando vi que na página aberta estava falando sobre o suco de morango
pálido. Observei o desenho, o vidro, a quantidade, parecia tudo idêntico ao
frasco real.
Alguém arranhou a garganta
e eu levei um susto fechando o livro. Levantei os olhos e o monitor me encarava
com a mesma cara feia.
-Onde está a sua
autorização? – Sua voz grossa me espantou.
-Autorização? – Fiquei confusa
e ele levantou os olhos parecendo ler uma placa. E havia mesmo uma placa ali,
mas eu não consegui ler.
-Só pessoas autorizadas
podem circular por esse corredor.
-Eu não tenho autorização.
-Então a senhorita precisa
se retirar.
-Tudo bem. – Abracei o
livro contra o peito e tentei passar por ele.
-O livro fica.
-Mas... É uma biblioteca,
não posso levá-lo?
-Não.
-Então eu fico por aqui.
-Acho que a senhorita não
me entendeu. Esse corredor é restrito e o seu conteúdo também. Você não pode
ler nenhum livro pertencente a esse corredor.
-Isso não é possível. Por
que não?! – Fiquei realmente intrigada.
-Não questione. Me
entregue o livro. – Sua voz saiu áspera eu estremeci de medo.
-Desculpe. – Entreguei o
livro e sai com a cabeça baixa. Esse monitor realmente me deu muito medo, sua
voz era horrível e eu me senti fazendo a coisa mais errada do mundo.
Sai da biblioteca o mais
rápido e mais silencioso que pude, voltei pro meu quarto em passos mais
rápidos. Minha cabeça estava a mil e a dor havia voltado. Meus olhos começaram
a pesar e eu entrei em desespero ao relembrar o que tinha lido na capa. Será
que Will sabia disso? Que ela era Bruxa e aquilo era uma poção, por isso não
quis me contar? Precisava descobrir mais sobre aquele livro, mas eu estava proibida
de circular por aquele corredor, precisava descobrir de qualquer jeito. Enquanto
arquitetava um plano infalível fiz tudo automaticamente, abri a porta do
quarto, fui me trocar, ajeitei a cama e me lembrei da cortina.
Todos os pensamentos
ligados aos ocorridos do dia foram embora quando olhei pra janela. O Sol
começava a se levantar preguiçoso, vi seus raios ao longe, o que foi bom já que
não senti dor. Como era bonito, como eu sentia falta dele...
Puxei a cortina com
vontade até não poder enxergar nada da janela. Meus olhos coçaram e senti uma
pressão na testa. Sim, eu precisava mesmo dormir.
•••
Quase pulei de alegria
quando abri os olhos e não me lembrei de ter sonhado com Bruxas nem nada do
tipo. Foi um descanso merecido, me senti revitalizada. Estiquei os braços com
os punhos cerrados e apertei os olhos. Poderia dormir por mais umas três ou
quatro horas. Alcancei meu celular, ele
marcava 17h30. Olhei ao redor, tudo estava tranquilo. Joguei os cobertores de
lado e fui lentamente até o banheiro, lavei o rosto, troquei de roupa e estava
escovando os dentes.
Sabe, eu não sinto tanta
falta de comida. É como se eu tivesse perdido o hábito de me alimentar. O bom
disso é que eu realmente não preciso de comida agora. Sorri me olhando no
espelho, hoje parecia que o dia ia ser melhor. Então alguém deu algumas batidas
suaves na porta. Fui até lá e a abri, era Willian. Chamei-o para entrar e ele
se sentou na minha cama desarrumada.
-Dormiu bem? – Ele parecia
ansioso.
-Sim, dormi como uma
pedra. – Estava em pé na sua frente.
-Kelly, eu quero te pedir
desculpa por ontem. Eu estava muito preocupado, briguei com você e não devia
ter feito isso. É tudo muito novo pra você e eu me esqueço disso. Me desculpa. –
Depois de falar sua expressão suavizou.
-Tudo bem Will. – Sorri.
-Quer ir caçar de novo?
-Não tenho certeza se é
uma boa ideia.
-Que tal você se decidir
depois da aula? – Ele fez um barulho com a boca quando fechou o olho direito e
usou a mão como se fosse uma arma.
-Pode ser. – Ri
-Trouxe um lanchinho por
enquanto. – Ele estendeu um saco de sangue como o outro que eu havia tomado.
-Acabei de escovar os
dentes.
-Ainda dá tempo de escovar
de novo. – Will praticamente colocou-o na minha mão.
-Tá bem. – Peguei.
-Agora vou terminar de
arrumar a papelada. Te encontro depois da aula. – Se levantou e me beijou na
testa – Tchau Kelly. – Caminhou até a porta.
-Will, por que não posso ler
os livros do corredor cinco? – Seus olhos se arregalaram um pouco.
-Fique longe do corredor
cinco. – Disse antes de sumir por detrás da porta.
Com certeza não poderia
saber o que era, mas eu vou descobrir, claro que vou. Respirei fundo e encarei
o saquinho. Aquilo ia ser parte do meu dia-a-dia, então dessa vez o bebi sem
hesitar e sem parecer uma leoa faminta. Não tive visão, o que foi um ótimo
sinal. Talvez as coisas estejam normalizando agora. Joguei o saquinho no lixo
do banheiro, escovei os dentes outra vez e desci para a aula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário