quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Capítulo Seis - Memórias

Abri o álbum que estava comigo. A primeira foto era aquela que Willian tinha me mostrado

-Quem são eles? – Thiago observou a foto.
-Meus pais – Murmurei virando a página. Tinha a foto de minha mãe e tio Will. Mamãe tinha um sorriso enorme no rosto e os olhos fechados, Will estava beijando sua bochecha.

-Esse é Willian? – Thiago se espantou.
-Sim. – Eu ri.
-Como eles se conheceram?
-Will é meu tio, eles eram irmãos.
-Sua mãe é linda.
-Era.
-Seu rosto se parece com o dela. – Ele me olhou e sorriu meigamente.
-Obrigada – Dei um sorriso curto e fechei o álbum – E seus pais?
-Bom – Ele abaixou os olhos – Meu pai sempre está com Willian.
-Seu pai é o motorista?
-É, tipo isso. – Deu uma risadinha suave.
-Não conversei com ele, mas ele parece ser legal.
-Sim, ele só é muito ocupado com essa história de transformação.
-Que pena. – O observei – E sua mãe?

Thiago pareceu surpreso e, por um segundo, tive medo que ele brigasse comigo. Hesitou um pouco antes de me olhar e tentar abrir a boca. Ficou mudo, com o olhar distante, suspirou.

-Ela morreu.
-Sinto muito. – Uma culpa enorme invadiu meu peito por ter feito aquela pergunta.
-Tudo bem. Aconteceu... – Os olhos de Thiago transbordavam tristeza.
-Tem certeza? Acho que eu não deveria ter perguntado.
-É que ninguém fala dela, só não estou acostumado.
-Me perdoe. – Abaixei os olhos.
-Não precisa se desculpar, você não sabia.
-Foi recente?
-Não. – Ele respondeu rapidamente e agora não aparentava estar triste e sim rancoroso.

Não sabia mais o que falar. Não entendi se ele queria continuar falando sobre aquilo ou se sentia-se incomodado. Fiquei refletindo sobre a mudança repentina de sentimento. Ouvi-o suspirar pesadamente e vi passar a mão direita no topete sem gel, mas já acostumado ficar para cima.

-Minha mãe também era linda. Ela também tinha um sorriso encantador, os olhos dela eram únicos, o carinho que ela tinha por todos também era inigualável e o amor que ela nos dava eu acho que nunca mais vou sentir.
-Ela era sua mãe, isso a torna mais especial ainda.
-Você me entende não é?
-Entendo.
-Por que elas se foram? Por que nós não poderíamos ter tido uma vida normal? – Thiago estava agoniado, parecia que a dor que sentia era tanta que iria fazê-lo explodir.
-Alguma coisa nos trouxe aqui, talvez elas não estejam para não sofrer.
-Eu nunca tinha pensado por esse lado.
-Você não está sozinho, você tem seu pai.
-Que é a mesma coisa de estar sozinho.
-Não é não, tenho certeza.
-Acho que meu pai pensa que eu sou culpado por minha mãe ter morrido!
-Não, isso é bobeira. Seu pai te ama, eu tenho certeza.
-Por que ele fica o tempo todo com a droga do Willian? Por que ele não passa mais tempo comigo?! – Ele elevou um pouco a voz.

Não sabia o que responder, eu sequer conhecia o pai dele, não podia garantir mais nada.

-Tudo bem, você tem razão. – Toquei seu ombro – Me desculpe.
-Willian não é má pessoa, mas acho que meu pai gosta mais dele do que de mim.
-Will e seu pai tem quase a mesma idade, talvez Will seja uma forma dele se distrair.
-É tudo culpa do Heitor! – As veias do seu pescoço estufaram, sua expressão era pesada. – Ele não deveria ter colocado meu pai para ajudar transformação! Willian pode dirigir sozinho, ele também sabe dirigir!
-Você já conversou com eles sobre isso?
-... Não. – Outra vez a voz de Thiago foi hesitante. Ele fechou a cara, mas para mim Thiago pareceu uma criança. Talvez o pai dele tenha ficado tão traumatizado com a perda da mãe dele e tenha deixado de dar atenção total que Thiago precisava quando era menor. Talvez nosso passado tenha sido igual.

Foi minha vez de suspirar. Lembrar-me dos meus pais e imaginar tudo o que Willian me contou dava um aperto no coração, uma angústia, uma vontade de chorar. Senti meus olhos encherem de água e os fechei para evitar que elas escorressem. Controlei-as e abri novamente os olhos, Thiago também parecia perdido em seus pensamentos e eu continuei olhando o álbum. A próxima foto mostrava meus pais sentados no gramado da casa da vovó, mamãe estava com um vestido curto e claro, parecia uma menininha. Estava sentada com as pernas esticadas e apoiava os braços pra trás. Ela olhava meu pai sentado ao seu lado e sorria. Papai estava com uma bermuda escura e uma camiseta azul bebê, quase da cor dos seus olhos. Ele estava com as pernas cruzadas e apoiava seus cotovelos nas laterais dos joelhos, que estavam voltadas para cima. Ele também olhava para ela e sorria.
O amor deles era tão puro, tão doce. O que eu mais desejava naquele momento era tê-los aqui comigo. Era só isso.

-Vou subir. Vai ficar aqui sozinha? – Thiago disse sem me olhar.
-Sim, mas não vou demorar.
-Tudo bem. – Ele se levantou e deu passos curtos.
-Você vai ficar bem? – Ao completar minha pergunta ele parou imediatamente e virou o pescoço devagar para poder me olhar.
-Eu estou bem. – Seus olhos e sua voz estavam firmes.
-Ótimo. – Assenti com a cabeça.
-Até logo Kelly – Ele continuou se retirando lentamente.

Respondi-o mentalmente e me voltei novamente para o álbum. O abracei como se estivesse abraçando meus pais, próximo ao coração, com os olhos fechados e as lágrimas brotando sem controle. Apertei bem forte o álbum o qual estava abraçada e respirei fundo sentindo o cheiro do couro da capa preta e de algumas damas da noite que estavam ali perto. Não aguentei, as lágrimas escorreram.
••‌•

Olhei todas as fotos, uma por uma. Devo ter gasto duas horas fazendo isto, mas foi bom. Vovó não falava muito deles e não me deixava ver as fotos além das que estavam nos porta-retratos.
            Lá estava eu, de frente com a escadaria outra vez. Subi até o segundo andar e tive facilidade em achar o escritório de Will. Dei três batidas na porta e ele respondeu com uma voz rápida um “entre”. Agarrei a maçaneta redonda e a girei, Will estava escrevendo em uma folha e sequer levantou a cabeça para ver quem era. Parecia concentrado e lia o mesmo papel com toda atenção. Dei alguns passos até a poltrona branca, sentei, coloquei os álbuns no colo e esperei. Willian terminou de ler os papéis e levantou os olhos. Ao me ver, largou a caneta e se ajeitou na cadeira.
           
            -Algum problema? – Seus olhos tinham uma expressão preocupada.
            -Não, só vim devolver. – Sorri, me levantei e levei os álbuns até a mesa de Will.
            -Ótimo! – Ele olhou o relógio no canto da mesa – Que bom que você apareceu, já ia te procurar. Está na hora do almoço! – Ele sorriu e se levantou.
            -Almoço? Mas não comemos...
            -Comida não mesmo – Tocou meu ombro e me guiou até a porta. – Vamos caçar.
-Caçar?! – Minhas pernas ficaram paralisadas.
-Sim, já falamos sobre isso.
-Você disse que iriamos amanhã!
-Se você quiser podemos ir hoje e amanhã – Ele abriu a porta e caminhou até a escada, eu me senti na obrigação de segui-lo e foi o que fiz.
-E se eu matar alguém? – Willian deu uma risadinha que não me agradou.
-Não se preocupe... – Ele desceu a escada e logo estávamos no mesmo carro que tínhamos usado para chegar.

Ele foi até a porta do motorista e entrou, dirigi-me até a porta do banco do passageiro e também entrei. Ainda não tinha digerido a ideia de que estávamos indo caçar, parecia mais um passeio, algo do tipo. Não demorou muito para que a mansão sumisse entre as árvores, me lembrei da conversa que tinha tido com Thiago há pouco tempo.

-Will, por que aquele cara estava junto com você?
-Quem? – Ele pensou um pouco – O Jorge?
-Acho que é. O motorista de ontem.
-Sim, é o Jorge. – Ele batucou os dedos no volante – Heitor acha que vai ser melhor se eu tiver companhia, principalmente se alguém de me vir invadindo casas.
-Mas ele fica tanto tempo junto com você?
-Não, não. Só quando o Heitor nos chama e temos que ir transformar alguém.
-E onde ele fica?
-Junto com o Hugo. Eles fazem os planejamentos das aulas.
-Quem é Hugo?
-Seu professor de caça.
-Não sabia que o nome dele era Hugo.
-Agora sabe. – Ele me olhou – Por que tá perguntando do Jorge?
-Ele é pai do Thiago, não é?
-Ah Kelly, por favor. – Ele fez cara de desgosto – Por favor, não caia nesse joguinho do Thiago. Ele manipula as pessoas pra que tenham dó dele e me odeiem.
-Ele não parece gostar muito de você mesmo.
-Kelly, tudo isso é charme. Acredita em mim, por favor.
-Eu acredito Will, mas o lance da mãe dele. Ele parecia triste de verdade.
-Ele disse algo sobre a mãe dele? – Willian se espantou.
-Algumas coisas. – A expressão de Will era diferente, ele franziu as sobrancelhas e pareceu pensativo. Não demorou muito e estávamos numa cidade que eu não conhecia, Will passava com o carro em ruas estranhas e que estavam completamente desertas. Então vimos um garoto caminhando, era novo. Aparentava ter uns 17 anos, magro, usava um jeans escuro, tênis claro e um moletom azul marinho. O capuz estava puxado sobre a cabeça então não dava para ver muito bem.
-Achamos nossa presa. – Willian parou o carro.

Um comentário:

  1. você me dica para criar um livro no blog você me ajuda gostaria de ter um livro

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